REPRESENTAÇÃO DA MULHER NA LITERATURA MOÇAMBICANA
Por Alberto Mathe Tema adaptado para uma palestra na UNISAF subordinada ao tema O papel da mulher no desenvolvimento da cultura, sociedade e política, 7 de Abril de 2009)
A literatura funciona como reflexo das relações sociais, o que em parte permite encontrar na nossa literatura perfis de mulheres estereotipadas segundo os modelos ocidental/civilizador/colonizador e africano/patriarcal. Apesar das campanhas de emancipação da mulher iniciadas nas décadas 60 e 70 do século XX com os movimentos feministas nota-se uma fraca participação desta na produção literária. Ao abordar a representatividade da mulher pretende se falar da sua participação na produção literária, problema que é transversal a várias sociedades. Em várias sociedades africanas apenas cabe a mulher gerar filhos, educá-los e prepará-los para a vida . Razões culturais e políticas permitem explicar a chegada tardia das mulheres na literatura ou a sua fraca participação, por exemplo, a dificuldade de acesso à instrução, as tradições seculares que atribuem à mulher apenas funções relacionadas com a maternidade e criação da prole, os critérios de selecção de obras literárias por editoras , sentimento de incapacidade e falta de estímulo, paternalismo de escrita, tudo isto se reflecte no pouco consumo de obras de autoria feminina. Um breve olhar sobre algumas antologias dedicadas a poesia moçambicana nota-se que ocorrem poucos nomes femininos como Noémia de Sousa, Maria Manuela de Souza Lobo, Ana Pereira do Nascimento, Anunciação Prudente, Glória de Sant’ana, Irene Gil, Marília Santos e Clotilde Silva . Nas literaturas africanas de expressão portuguesa, a representação da mulher recompõe imagens que relacionam o feminino com funções delegadas pela tradição, o que se nota mesmo nas obras escritas por mulheres. Falar da representação pode implicar dois domínios diferentes: 1) ser a imagem ou reprodução de; trazer a memória; figurar como símbolo; aparecer numa outra forma. 2) significar, tornar presente, patentear (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa). Algumas das imagens mais frequentes na literatura moçambicana: • Mulher-mãe: é geradora da vida, cria e cuida dos filhos, provendo o sustento para a família. Esta imagem as vezes é tomada anaforicamente no projecto de afirmação da identidade africana, personifica a força da terra, a capacidade de gerar o novo homem, livre da servidão. (vide o poema de José Craveirinha Sangue de minha mãe). • Mulher-pátria: tal como a mulher mãe, simboliza a terra que às vezes chora vendo seus filhos consumidos pela crueldade da opressão e trabalho forçado, pelas minas do Rand, pelos filhos tombados na guerra, na miséria. • Mulher-esposa: é companheira do homem, vista como seu suporte. Ela é que completa os momentos difíceis da sua vida, mas também acompanha-o nos momentos agradáveis. • Mulher-objecto: esta imagem é recorrente na literatura produzida pelas mulheres em que se denuncia o facto de a mulher ser vista apenas como um objecto que deve servir incondicionalmente aos pais, posteriormente ao marido. • Mulher-objecto de troca: os pais simplesmente olham para ela como um meio de fazer riqueza, cobrando altas compensações no lobolo, sem ter em conta os seus sentimentos. • Mulher-instrumento: tal como a mulher-objecto, ela é vista apenas como um instrumento de trabalho, é usada na machamba, nos serviços domésticos, é explorada até ao fim da sua vida. • Mulher – objecto de prazer: aquela que serve para satisfazer os desejos do marido, não tem direito a sentir prazer, é comprada para servir e dar prazer de forma incondicional ao marido. • Mulher sensual: a sensualidade da mulher tem inspirado vários poetas que apreciam e louvam as suas belas qualidades físicas, o que leva a uma veneração da figura feminina. • Mulher prostituta: por ser uma prática transversal a várias sociedades, a prostituição aparece ora de forma satírica, ora de forma dramática, o que permite conhecer o mundo das prostitutas, suas motivações, realizações e desafios. (Vide a novela de Bento Sitoe Zabela) • Mulher criança: quando o feminino é representado por uma criança simboliza a pureza da terra e do sexo, os sonhos da nação, da sociedade, a virgindade de uma terra pouco explorada, é a nossa esperança do futuro. Estas e mais imagens aqui não destacadas serão retomadas de formas diferentes, pois observa-se que a literatura produzida por mulheres é um mundo diferente daquele narrado ou cantado por romancistas, contistas e poetas masculinos. A escrita feminina busca reivindicar um espaço vedado pelas tradições paternalistas e machistas. É uma escrita revolucionária que permite a mulher explicar o Mundo de acordo com a sua visão, não a imposta pelos homens. Por isso é que a escrita feminina reflecte uma ruptura com a tradição e costumes. Assim sendo, é necessário e urgente que a mulher tenha cada vez mais uma participação activa na produção literária, ela deve ser arrojada, atrevida, lutadora pela conquista de um espaço literário neste meio ainda conservador e preconceituoso. Esta necessidade é vincada por Chaves & Macedo (2007): Nos poucos textos escritos hoje por mulheres nos países africanos de língua portuguesa, o leitor vai poder encontrar os problemas, os sentimentos e a intimidade femininos, abordando desde a marginalização e as tentativas de rebeldia em mundo de carência (…) até a experiência de solidão e do exílio (…) passando por mulheres que, submetidas a uma tradição que talvez já não corresponda a seu papel na história, revoltam-se e denunciam a opressão (…). Cabe à mulher como escritora, hoje, questionar as distinções radicais que opõem algumas funções e papéis sexistas, problematizar e romper com um imaginário todo estereotipado. Há muito ainda por aprender sobre homens e mulheres que enfrentaram vários desafios, tiveram conflitos de natureza diversa e respectivas vitórias. De facto, conhecer estes heróis e heroínas que merecem reverência é fundamental para a atribuição de novos significados às práticas culturais moçambicanas para além de que enriquecerá o nosso mosaico cultural. Acontece que quando a mulher entra no universo da escrita, o homem às vezes sente-se ameaçado, pois ela já pode falar de si e do mundo sem precisar de um intermediário, tem a liberdade de expressar seus sentimentos e pensamentos acerca do outro e questionar aquilo que é a visão estereotipada do outro sobre ela. Várias são as mulheres que merecem destaque na luta pela emancipação da escrita, que ao longo dos anos radiografaram este país, lutaram contra a exploração ao lado dos homens e hoje lutam contra a miséria, o analfabetismo, o machismo exacerbado entre outras práticas que travam o desenvolvimento social. A todas elas dizemos Sia-Vuma! Noémia de Sousa, Maria Manuela de Souza Lobo, Ana Pereira do Nascimento. Sia-Vuma! Anunciação Prudente, Glória de Sant´Ana, Irene Gil, Marília Santos, Clotilde Silva. Sia-Vuma! Fátima Mendonça, Ana Mafalda Leite, Cármen Lúcia T. Ribeiro Secco, Rita Chaves. Sia-Vuma! Paulina Chiziane, Lília Momplé, Andrea Pães, Cláudia Constance. Sia-Vuma! Inês Andrade Paes, Natália Correia, Sónia Sultuane. Sia-Vuma! Sia-Vuma mulher moçambicana!
Referências bibliográficas:
1. Bayer, Adriana Elisabeth & Jorgge, Adriana (2008). “Entre o Arcaico e o moderno: A mulher moçambicana busca a celebração da vida em Niketche: uma história de poligamia”. In: Fazendo Género 8 – corpo, violência e poder, Florianópolis, 25-28 de Agosto de 2008.
2.Brava, Ana Beatriz Matte (s/d). “Multiculturas, pluralidades, poligamia: o contexto da literatura moçambicana e Niketche, de Paulina Chiziane”.
3.Chaves, Rita & Macedo, Tânia (2007). “Caminhos da Ficção da África Portuguesa.” In: Vozes da África – Biblioteca entre livros. Editora duetto, edição especial nº. 6.
4.Fonseca, Maria Nazareth Soares (2004). “Literatura africana de autoria feminina: estudo de antologias poéticas”. In: SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 8, nº. 15, p. 283-296
5.Gomes Carreira, Shirley de Souza (s/d). “Um breve olhar sobre a representação da mulher em A Geração da Utopia, de Pepetela”. Brasil: UNIGRANRIO.